Sobre as terras altas da Nova Guiné


Voltando às sociedades tratadas no livro Colapso da Jared Diamond trago hoje uma civilização analisada que apresentava diversas tendências para o colapso e pelo contrário se manteve e se mantém por milhares de anos. Falo dos povos das terras alta da Nova Guiné.

 

Uma das maiores histórias de sucesso de administração de baixo para cima. Acredita-se que as pessoas vivem naquela região a 46mil anos, e se mantém até os dias atuais. Não apresentam aportes economicamente significativos de sociedades fora das terras altas, e sem aporte de qualquer tipo exceto itens de comércio apreciados apenas por status (como conchas de cauri e plumas de ave-do-paraíso).

Foi um choque quando aviões contratados por biólogos e mineradores voaram a pela primeira vez sobre o interior da região na década de 1930, abaixo dos pilotos surgiu uma impressionante paisagem transformada por milhões de pessoas, antes desconhecidas do mundo exterior. O cenário parecia uma das áreas mais densamente povoadas da Holanda: vales amplos e abertos com bosques esparsos, divididos até onde os olhos podiam alcançar por plantações separadas por canais de irrigação e drenagem, terraço de cultivos nas encostas de colinas (lembrando Java ou Japão), e aldeias cercadas por paliçadas defensivas. Quando os europeus foram por terra verificar o achado descobriram que os habitantes do interior eram agricultores que cultivavam taro, banana, inhame, cana-de-açúcar, batata-doce e criavam porcos e galinhas. Hoje sabemos que os primeiros quatro produtos principais foram domesticados na própria Nova Guiné, que as terras altas da Nova Guiné são apenas um dos nove centros independentes de domesticação de plantas do mundo, e que a agricultura é praticada ali há sete mil anos, uma das mais longas experiências de produção de alimentos.

Na visão européia se mostravam um povo “primitivo” (sem chefes, escrita, pouca ou nenhum roupa, cabanas de palha, instrumentos de madeira, ossos e bambu), mas a aparência se mostrou ilusória, seus métodos sofisticados e diferentes de agricultura ainda estão longe de serem bem compreendidas pelos agrônomos europeus. Há um caso famoso em que um consultor agrícola europeu horrorizou-se com a notícia de que uma horta de batata-doce em um declive acentuado em uma região úmida tinha um canal de drenagem vertical que corria encosta abaixo. Ele convenceu os aldeões a corrigirem aquele terrível erro, e os fez instalar drenos que corriam horizontalmente ao longo dos contornos do terreno, de acordo com a boa prática européia. O resultado foi que a água que se acumulou por trás dos drenos e, na chuvarada seguinte, um desmoronamento levou toda a plantação encosta abaixo até o rio. Justamente para evitar este resultado, muito antes da chegada dos europeus os fazendeiros da Nova Guiné aprenderam as virtudes dos drenos verticais sob as condições de chuva e solo das terras altas. (Há muito recomenda-se não fazer terraços e drenos em nível e sim em pequenos declives, levando um canal de derivação revestido com vegetação protetora contra a erosão).

Essa é apenas uma das muito técnicas desenvolvidas durante esses milhares de anos num terreno relativamente vulnerável, com terremotos frequentes, desmoronamento e geadas. Para manter a fertilidade do solo desenvolveram um interessante sistema de adubação com compostos de fermentação do mato, capins, velhas trepadeiras e outros materiais orgânicos, aplicavam também lixo, cinza de fogueiras, vegetação de terreno em descanso, troncos podres e esterco de galinha como cobertura morta e fertilizante.

O conhecimentos dessas técnicas é mais cultural do que conhecimento em si, não é a toa que o consultor agrícola conseguiu convencê-los de que o certo era errado sem grande dificuldade, e que curiosamente nos dias atuais jovens aldeões que deixam as terras altas para estudar descobriram, ao voltar, que não tinham competência para cuidar das plantações de suas famílias.

Mas já vimos com outras civilizações que apenas uma agricultura desenvolvida não é o bastante para se manter durante tanto tempo num ambiente frágil, qual o segredo desse curioso povo?

Claro que não cabe a nós definir um segredo ou outro, mas com certeza há um aspecto muito interessante desenvolvido por eles que é relativamente raro na história, o desenvolvimento da silvicultura, o cultivo de árvores em vez de plantas da agricultura convencional (silva, ager e cultura são palavras do latim que significam: floresta, campo e cultivo, respectivamente.

Demorou para que os especialistas em florestas europeus descobrissem as vantagens da Casuarina oligodon (principal árvore plantada) e os benefícios que os habitantes tinham com seus bosques. A espécie cresce rápido. Sua madeira é excelente para construção e combustível. Os nódulos de suas raízes fixam nitrogênio, e sua copiosa queda de râmulos acrescenta tanto nitrogênio quanto carbono ao solo.

Os paleobotânicos estimam o surgimento da silvicultura nessa região em torno de 1200 anos, tendo um segundo surto de produção 600 anos atrás. Mas porque os povos do alto da Nova Guiné desenvolveu essa técnica?

Embora vivessem em eterno conflito entre si, suas administração de “baixo para cima” ligava os povos e suas decisões eram tomadas em grandes reuniões, os únicos líderes eram os chamados “grande líderes”, mas esses tinham um poder mais de perfil de personalidade, que o faziam organizar melhor as coisas, do que de autoridade propriamente dita. Com o passar do tempo os habitantes de todas as aldeias podiam ver o desmatamento acontecendo ao seu redor, reconheciam a baixa taxa de crescimento e perda da fertilidade. Mas o nativos da Nova Guiné apresentam uma característica muito interessante, uma grande curiosidade. Por ex. Quando receberam o lapis dos europeus eles o testaram para “N” utilidades, e hoje continuam utilizando o lápis para bem mais coisas do que nós. Isso pode ter sido crucial para que alguém trouxesse um pé da casuarina crescendo à beira do rio para cultivar em casa e notasse os benefícios na lavoura.

Com tantas medidas de sucesso como eles seguraram o problema do crescimento natural da densidade natural? Com diversas técnicas de controle, como aborto induzido por ervas, abstinência sexual, infanticídio, guerras e amenorréia lactacional natural durante os vários anos que o bebê era aleitado.

Hoje, a Nova Guiné enfrenta outra explosão populacional por causa do sucesso das medidas de saúde pública, introdução de novas culturas e o fim ou diminuição das guerras entre as tribos. O controle da população pelo infanticídio não é mais socialmente aceito. Mas os habitantes já se adaptaram a grandes mudanças no passado, como a extinção da megafauna plistocêntrica, o derretimento glacial e as temperaturas mais quentes do fim das idades do Gelo, o desenvolvimento da agricultura, o desmatamento maciço, a precipitação de tefra, El Niño, a chegada da batata-doca e dos europeus. Serão também capazes de se adaptar as condições alteradas e globalização mundial de valores que provoquem mais uma explosão demográfica?

Não quis nesse post fazer um tributo ao modo “rudimentar” de vida tradicional, principalmente porque acho que todos os valores e desenvolvimento humanos são frutos do meio e do tempo em que eles estão inseridos, mas quero salientar a curiosidade que levou o povo dos altos da Nova Guiné a desenvolver técnicas agrícolas tão avançadas e a eficácia que tiram delas, permitindo assim um povo se manter por 46mil anos num mesmo lugar.

~ por Gaudereto em 01/03/2009.

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