A história ambiental em consonância com a ecologia cultural


Caros navegantes, faço abaixo uma análise sobre duas áreas que permeiam os debates socioambientais:  a história ambiental e a ecologia cultural. Espero que capture ao menos a essência de cada conceito, cruzando-os de maneira epistemológica.

            Os processos clássicos de análise da história da humanidade nos mostram que as interações do homem com o ambiente natural sempre foi desprovida de causalidades, ou seja, levando ao pressuposto de que as atividades humanas não tiveram impactos no ambiente e que o ambiente não exerceu pressão sob as atividades humanas. A história ambiental surgiu rejeitando estas idéias, na medida em que os movimentos ambientalistas e os debates acerca das mudanças globais ganhavam corpo. Com isso, a história ambiental é parte do esforço de se criar um olhar de que a experiência humana se desenvolveu diretamente atrelada às restrições naturais; em outras palavras, ela objetiva aprofundar o nosso conhecimento de como os seres humanos foram afetados pelo seu ambiente natural – e como o homem afetou esse mesmo ambiente através do tempo.

            Embora um leitor mais desavisado entenda que as premissas da história ambiental corroborem o pressuposto do determinismo ambiental[1], na verdade são as interações existentes entre as atividades humanas no ambiente (e seus impactos) e as forças de pressão seletivas do ambiente atuando sobre o homem (gerando eventuais mudanças comportamentais para com o meio natural), que direcionam o âmbito da pesquisa em história ambiental. Para deixarmos clara a diferença entre o determinismo e a história ambiental, ilustraremos citando Ratzel e Huntington, geógrafos do século XIX. Ratzel acreditava que os povos migratórios em geral se adaptavam rapidamente às condições naturais de existência, ou seja, enfatizava que o hábitat influenciava no comportamento das sociedades e, portanto, culminava na diversidade cultural. Para ele, as condições topográficas e latitudinais impactavam, sem precedentes, no comportamento do homem. Na mesma linha determinista, Huntington postulou que havia a existência de um clima ideal para a máxima eficiência humana, já que para ele o clima determinava o comportamento do homem para com a natureza.

            Após esclarecermos sobre o que versava o determinismo ambiental, criamos condições de analisar a história ambiental sem cairmos na armadilha de confundir ambos os conceitos, já que em síntese, podemos afirmar que a história ambiental trata do papel e do lugar da natureza na vida humana. Para explicarmos como é possível verificar esta interação, a história ambiental aborda três níveis de análise:

  1. Entendimento da natureza propriamente dita; como esta se organizou no passado e como funcionou no convívio com as sociedades humanas;
  2. Abordagem do domínio socioeconômico na interação com o ambiente, sob o aspecto das ferramentas usadas pelo homem como instrumento de intervenção na paisagem e as formas de trabalho e organização social (agricultura como exemplo fundamental nesse contexto);
  3. A análise dos valores éticos e culturais das relações humanas com a natureza; neste aspecto, o núcleo cultural de Steward[2] permite que se relacionem os aspectos da Ecologia Cultural[3] como subsídio para as pesquisas no âmbito da história ambiental.

Como forma de enunciar de maneira ilustrativa as abordagens da história ambiental, os modos de produção enquanto fenômenos ecológicos são usados para entender esta relações diretas homem-natureza. É necessária esta análise visto que a produção de alimentos representa a conexão mais vital com os ecossistemas ao longo da história do homem. A visão ecossistêmica da natureza expressa a idéia de que plantas e animais trabalham em conjunto para criar meios de sobrevivência adjacentes; todavia, sem o funcionamento contínuo da economia da natureza nenhum grupo de pessoas poderia sobreviver o suficiente para possibilitar a formação da história como um todo em seu contexto do qual conhecemos.

O funcionalismo da ecologia cultural de Steward, o qual avalia se os ajustes da sociedade ocorrem de modo particular ou se permitem certa amplitude nos padrões comportamentais, tem sua estrutura alicerçada na análise da distribuição de alimentos como principais fatores limitantes que induzem as adaptações culturais no ambiente. Esta percepção, ainda que reducionista no ponto de vista da diversidade cultural humana permitiu que na abordagem da história ambiental surgisse o conceito de Agroecossistema como instrumento de análise das relações diretas do homem com a natureza. O ecossistema domesticado para fins agrícolas, desde o período neolítico, rearranjado conforme a necessidade humana traz duas faces epistemológicas: a primeira de degradação, considerando não usar estratégias de manejo para a manutenção do equilíbrio ambiental; e de cunho conservacionista, levando-se em conta o uso do solo e dos recursos necessários para a produção de alimentos de maneira estratégica, preservando a diversidade e complexidade ambiental.  A segunda face expõe uma forma de produção de subsistência, para o consumo e com pouco excedente para comercializar, gerando assim estabilidade social (as populações tradicionais pressupõem um sistema de uso sustentável dos recursos, já que não visa a produção em grande escala, o que permite o equilíbrio dos processos naturais); já a primeira face, traz à luz a reorganização da natureza aliada ao modo de produção capitalista, reestruturando as relações humanas sob a ótica de mercado de forma a criar uma nova relação do homem com a terra, a relação de “terras mercantilizadas” (culminado na degradação ambiental e na perda da resiliência do ambiente devido aos processos devastadores). Uma abordagem ecológica da história desses processos, portanto, ajuda a explicar porque a agricultura capitalista tem tido seus efeitos sociais peculiares tanto quanto seus problemas gerenciais.

            Neste contexto, a história ambiental objetiva trazer de volta à nossa consciência este significado de convívio dinâmico com a natureza e, com o auxílio da ciência moderna, descobrir algumas verdades recentes sobre nós mesmos e nosso passado. O uso responsável dos recursos implicará em uma mudança do paradigma econômico agrícola, criando uma relação harmoniosa entre os sistemas agroecológicos em escalas que respeitem os modelos das paisagens mosaico-funcionais[4] juntamente ao ambiente natural.


[1] Influência de um único fator sobre todo o sistema

[2]  O núcleo cultural inclui aspectos sociais, políticos e religiosos, mas somente os que empiricamente se demonstre estar mais diretamente relacionados às bases de sustentação material das sociedades humanas.

[3] Relação entre certas características do meio e traços de cultura da sociedade humana que vive naquele meio.

[4] Imitação da ordem natural para garantir o equilíbrio dos ecossistemas.

~ por Rafael Wingert em 23/11/2009.

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