Não quero fazer discurso contra obras de infra-estrutura, principalmente hidrelétricas, mesmo porque não concordo com boa parte das críticas feitas, mas trago aqui um caso grave, conhecido internacionalmente como o “O Monumento à Estupidez”, capaz de influenciar negativamente (e muito) todos os seus investidores, principalmente o Banco Mundial, que após o fracasso passou a exigir Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatórios de Impacto Ambiental (RIMA) às obras brasileiras financiadas por ele.
Escrevo sobre a hidrelétrica de Balbina, uma péssima obra de engenharia, um fracasso econômico, e um desastre social e ambiental. Certamente o pior empreendimento nacional da história e um dos piores do mundo (imagino se alguma obra tenha sido capaz de superar tamanha engenhosidade da estupidez).
A obra foi realizada durante o governo militar (1973-1989), e foi tão complicada e mal planejada que levou muito mais tempo e orçamento do que tinha sido previsto para ser concluída. Seu gasto foi de U$1bilhão, e isso foi apenas o valor que se consta nas estatísticas oficiais, certamente os gastos foram maiores visto outras obras semelhantes da época. E não devemos esquecer que na época um bilhão de dólares é uma quantia muito mais significativa do que hoje.
A usina se localiza no norte de Manaus e provavelmente foi idealizada para suprir a demanda de energia da zona franca da região. Mas a obra foi um fracasso tamanho que é incapaz de suprir até mesmo a demanda local. Teve potência instalada de 230Mw, mas potência Firme de apenas 130-150Mw (Potência firme é a potência que realmente é utilizada). Para efeitos de comparação Tucuruí tinha potência original de 4.500Mw e hoje tem 8.000Mw (em razão de troca de turbinas). Itaipu tem potências de 12.000 Mw.
Balbina foi construída em área de mata muito densa (madeira de lei), plana, tudo o que não se quer na obra de uma usina hidrelétrica. Absurdamente alagou uma área de 2600Km2. Tucuruí, que como já vimos, produz muito mais energia, teve uma área alagada de 2400Km2.Itaipu ilustra bem o que a engenharia busca para se construir um hidrelétrica, uma região com alta declividade e onde se possa “encaixar” a água de forma que sua área alagada seja profunda e não extensa. Claro que Itaipu também alagou uma área considerável, incluindo as lindas cataratas das 7 quedas, mas próximo da área de Balbina é quase pífio quando se analisa sua importância trinacional.
A comunidade científica da época fez vários alertas sobre a necessidade de se retirar a vegetação, que poderia ser vendida ou utilizada em obras públicas visto que valia bastante em virtude da grande quantidade da madeira de Lei presente ali, mas isso não foi feito, gerando uma enorme produção de metano (gás estufa 24vezes mais potente que o CO2) e o pior para uma usina, acidificando a água pelo processo de decomposição anaeróbico que gera sulfeto (responsável pelo cheiro de um rio poluído como o Tietê e de ovos podres), o que pode causar o rompimento da usina, tragédia já ocorreu nos Estados Unidos. Para amenizar o problema foram abertas as comportas inferiores da usina (utilizada apenas para emergências), liberando boa parte da matéria orgânica, acumulada nos sedimentos no fundo do reservatório, para o rio onde se localiza a usina. Esse ocorrido foi responsável pela morte e extinção local de várias espécies de peixes, aumentando ainda mais o já enorme dano às espécies locais, o que impediu por vários anos o trabalho de pescadores na região. Hoje em dia a matéria orgânica ainda é muito alta visto que a madeira se decompõe muito lentamente (ainda mais madeira de lei), emitindo por hora 3,3ton de carbono equivalente por hora. A média de todo o sistema energético brasileiro (incluindo usinas termelétricas) é de 0,18ton de carbono equivalente por hora. Como se isso não bastasse a madeira de Lei alagada tinha tamanho valor que uma empresa oriental negociou com o governo uma iniciativa pioneira de corte subaquático, e a quantidade era tamanha que mesmo com os altos gastos para o corte da madeira a empresa ainda teve lucro!
Alagou-se também as terras indígenas dos índios Waimiri-Atroari, que foram forçados a se mudar para uma região próxima, há hoje uma série de planos de fortalecimento da cultura Waimiri na região feitas pela usina, mas é um absurdo que ao se entrar no site da Eletrobras apenas isso seja abordado quanto ao histórico de Balbina.
Se já não bastassem tamanhos danos, provavelmente deixei o pior por ultimo, o dano social. Na sua construção a usina teve em média 4.000 trabalhadores, todos homens, que chegaram a uma região de baixíssima densidade, basicamente circundada por pequenas vilas de no máximo 2.000 pessoas. Com a chegada destes trabalhadores ocorreu uma enorme queda nos padrões de vida da região, com índices absurdos de prostituição, principalmente infantil, que em muitos casos foram forçadas e se subjugarem a esta vida pela própria família. Isso sem contar a explosão de problemas relacionados a drogas também associados ao surgimento deste tipo de “mercado negro”.
É um tema triste de ser abordado, certamente preferiria não ter que posta-lo, mas tamanha vergonha deve ser conhecida por cada cidadão brasileiro. Para os que querem saber mais sobre o assunto o autor Fearnrside realizou uma série de estudos sobre Balbina e Tucuruí.